Fiscalização constata irregularidades na obra do Complexo de Saúde do Norte do Estado e MPC-ES indica erro grosseiro

 

Consórcio de empresas contratado em 2022 pelo DER-ES para realizar a obra alterou projeto e pretende entregar área edificada 16,67% menor do que a prevista no contrato. Ministério Público de Contas aponta potencial prejuízo aos cofres públicos de mais de R$ 34 milhões, caso não ocorra reequilíbrio contratual, conforme demonstrado em fiscalização realizada pela equipe técnica do Tribunal de Contas

 

Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) emitiu parecer em que destaca graves irregularidades no processo de execução do Complexo de Saúde do Norte do Espírito Santo. São elas: ausência de fiscalização do Departamento de Edificações e Rodovias do Estado do Espírito Santo (DER-ES) no local da obra; ausência de planilha orçamentária, o que impede certificar que os valores pagos em cada medição correspondem aos serviços executados; ausência de projeto básico; antecipação de pagamentos por serviços não executados (eventogramas), prática não prevista no edital e considerada ilegal; desfiguração do anteprojeto de arquitetura que orientou a licitação; e área edificada no projeto apresentado pela contratada é 16% menor do que a prevista na licitação, resultando em potencial prejuízo aos cofres públicos de mais de R$ 34 milhões.

 

Essas irregularidades foram verificadas em fiscalização realizada pela equipe técnica do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), conforme Relatório de Acompanhamento do Núcleo de Controle Externo de Edificações (NED) no Processo 1092/2023. Esse processo tem como objetivo acompanhar a execução da obra de construção, elaboração de projetos básico e executivo de arquitetura e engenharia, aprovações legais, obtenção de licenças, montagem e comissionamento dos sistemas do Complexo de Saúde do Norte do Espírito Santo, localizado em São Mateus.

 

O Complexo de Saúde vai abrigar o novo Hospital Roberto Arnizaut Silvares, a Superintendência Regional de Saúde, o Centro Regional de Especialidades, a Farmácia Cidadã e o Hemocentro Regional. Sua construção está prevista no Contrato 86/2022, celebrado entre o DER-ES e o Consórcio Complexo de Saúde Norte, constituído pelas empresas Infracon Engenharia e Comércio Ltda, líder do consórcio, GND Construções Ltda e CCG Construções Ltda, e tem previsão de conclusão em novembro de 2025, com valor total de R$ 263 milhões. A obra será custeada com recursos dos orçamentos da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) referentes aos exercícios de 2022 a 2025.

 

Esse contrato inclui, além da construção do complexo hospitalar, a elaboração de projetos básico e executivo de arquitetura e engenharia, aprovações legais, obtenção de licenças e montagem.

 

O parecer do MPC-ES reforça as falhas evidenciadas pela equipe técnica do TCE-ES, que relata ter alertado representantes do DER-ES sobre esses problemas antes mesmo da elaboração do relatório, e propõe que os conselheiros determinem à autarquia estadual que adote medidas para corrigir as irregularidades verificadas e apresente o cumprimento delas no prazo de 90 dias.

 

Estão entre as medidas que deverão ser comprovadas:

 

– que a empresa contratada para a fiscalização verifique todos os serviços já executados quanto à qualidade e quantidades, se os valores pagos nas medições representam o quantitativo de serviços e os materiais utilizados, e se estão coerentes com o anteprojeto, projeto básico e com as normas técnicas, elaborando relatório técnico;

 

– que os pagamentos das próximas medições levem em consideração a área da construção e a quantidade de serviços executados em cada etapa da construção, inclusive considerando os valores que já foram pagos indevidamente, os quais devem ser estornados nas medições futuras;

 

– que o DER-ES se abstenha de realizar qualquer tipo de antecipação de pagamento ao consórcio contratado, seja relativo a materiais ou equipamentos, antes da execução do serviço correspondente;

 

– que exija a apresentação do projeto básico pela empresa contratada, acompanhado da respectiva planilha orçamentária;

 

– que durante as medições mensais a equipe de fiscalização do contrato se assegure que os valores pagos em cada medição correspondem aos valores dos serviços executados no período através da planilha de pagamentos do contrato e da planilha orçamentária.

 

O Ministério Público de Contas também propõe determinação ao DER-ES para que, ao executar obras e serviços de engenharia, principalmente em obras de grande porte, fiscalize todas as etapas da construção e que ao contratar obras e serviços de engenharia na modalidade de licitação Regime Diferenciada de Contratações (RDC) exija antes do início dos serviços que a empresa contratada apresente o projeto básico completo, conforme está previsto na Lei 12.462/2011, art. 17, que regulamenta as contratações pelo RDC.

 

Após emissão do parecer ministerial, no último dia 27, o Processo TCE-ES 1092/2023 foi enviado ao gabinete do conselheiro Rodrigo Coelho do Carmo, relator do caso, para elaboração de voto. Ainda não há data prevista para julgamento. O MPC-ES pediu que a análise ocorra em sessão presencial.

 

Área de edificação 16% menor

 

O Consórcio de empresas foi contratado pelo DER-ES para construir 45.056,07 m², porém, após a assinatura do contrato, alterou o Anteprojeto de Arquitetura que guiou a licitação e pretende entregar apenas 37.551,82 m² de área edificada, o que equivale a uma redução de 16,67% da área de edificação.

 

Em resposta à área técnica, o DER-ES argumentou que a redução da área edificada pelo consórcio contratado é consequência da “otimização do projeto” e resulta em distâncias percorridas menores, reduzindo os deslocamentos.

 

Para a área técnica do TCE-ES, o novo projeto apresentado pela contratada (mais verticalizado e com diversos ajustes nos espaços internos) “traz uma otimização para si própria”, pois diminui os custos de construção e, consequentemente, aumenta seus lucros. Além disso, ela destaca que a redução das distâncias percorridas poderia ocorrer mesmo sem a diminuição da área construída.

 

De acordo com o Relatório de Acompanhamento do NED, “a argumentação da verticalização do projeto e os ajustes e a racionalização dos espaços internos não pode ser utilizada como justificativa para a diminuição da área construída prevista no projeto que serviu de referência para a contratação”.

 

O MPC-ES alerta que se esperava receber um complexo hospitalar com área de 45.056,07 m², pois assim fora estipulado no Edital de Licitação RDC Eletrônico 15/2022. Mas, posteriormente à assinatura do acordo, a contratada achou melhor construir 37.551,82 m², ou seja, reduziu, por conta própria, a área construída em 7.504,25 m², equivalente a 16,67% ou 1/6 da área prevista inicialmente no processo licitatório, ocasionando um potencial prejuízo aos cofres públicos de R$ 34.926.805,07 caso o contrato não seja reajustado.

 

A equipe técnica lembra que o preço estimado da obra foi calculado com base no custo de construção por metro quadrado. Assim sendo, o pagamento das medições – baseado na construção de edificação com área maior do que a realmente executada – resulta em gasto indevido.

 

“A diferença entre o valor total obtido a partir da área do projeto fornecido pela contratada e o valor contratado obtido pela área prevista no termo de referência representa um pagamento a maior equivalente a R$ 34.926.805,07”, narra a área técnica no Relatório de Acompanhamento.

 

Na avaliação do MPC-ES, mais do que a modificação do tamanho da área a ser construída do Complexo de Saúde do Norte do Espírito Santo, o Anteprojeto de Arquitetura que orientou a licitação foi desfigurado, com alteração significativa do objeto contratado, em prejuízo à isonomia entre os licitantes e à vinculação ao instrumento convocatório.

 

Erro grosseiro

 

O órgão ministerial considerou os achados da fiscalização gravíssimos e avalia que eles revelam a ocorrência de diversos erros grosseiros, praticados tanto pelo DER-ES quanto pelo consórcio contratado, em desrespeito às diretrizes e orientações do Edital de Licitação RDC Eletrônico 15/2022 e às cláusulas do Contrato 86/2022.

O parecer ministerial enfatiza que as irregularidades descritas pela área técnica indicam falta de observância a normas básicas (contratuais e legais) e desídia no trato da coisa pública, exibindo condutas de elevado grau de negligência e imprudência, contexto que qualifica o erro grosseiro, isto é, a grave inobservância ao dever de cuidado (culpa grave).

 

Para o MPC-ES, há também indícios de ocorrência de omissão específica, uma vez que a equipe responsável pela fiscalização do contrato não exigiu a apresentação, pela contratada, da documentação prevista na licitação, autorizando a execução da obra sem a entrega dos projetos básicos e executivos completos, o que teria caracterizado abuso de poder.

 

Pagamentos antecipados repetem ocorrido com Cais das Artes

 

Um dos achados da fiscalização foi a antecipação de pagamento por serviços não executados, prática ilegal tecnicamente chamada de “eventograma”.

 

Conforme descrito no relatório do NED, “tal antecipação consiste no apontamento de percentuais de serviços na medição, como se executado estivessem, mas que, na verdade, correspondem à exclusiva entrega e armazenamento de material na obra, ou até mesmo na aquisição de material junto ao fornecedor, antes mesmo de o material encontrar-se disponível na obra para sua instalação/aplicação.”

 

De acordo com o Relatório de Acompanhamento, essa prática vem sendo rotineiramente realizada pelo DER-ES e possui elevado potencial de causar dano aos cofres públicos. Ela menciona que essa prática ocorreu na construção do Cais das Artes, obra iniciada há mais de uma década, em que houve o pagamento antecipado de materiais que nunca chegaram a ser instalados, como ar-condicionado, equipamentos do teatro, poltronas e instalações elétricas.

 

O MPC-ES relembra que foi a partir dos chamados “eventogramas” que o Tribunal de Contas iniciou apuração sobre irregularidades em pagamentos antecipados do Instituto de Obras Públicas do Estado do Espírito Santo (Iopes) – fundido ao DER-ES em 2019 – ao Consórcio Andrade Valladares-Topus.

 

 

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